O patrimonialismo e o Brasil

Segundo Max Weber, patrimonialismo é administrar o Estado como bem de família. O que estamos vendo no Brasil no legislativo, Senado e Câmara, com os escândalos que estão vindo à tona? É a aplicação pura e simples do patrimonialismo.
Um pouco de história: Raymundo Faoro em seu magnífico “Os donos do Poder” mostra que isto remonta à origem do Estado português e os consequentes reflexos em nossa formação, desde a colonização. “Entre o rei e o súdito não há intermediários: um comanda e outro obedece”, diz Faoro. A “Casa da Mina”, em Lisboa, que explorava o comércio de escravos e as “Companhias de Comércio”, eram do Estado, mas quem ficava com os lucros eram o rei e os fidalgos apaniguados. Puro patrimonialismo. No Brasil, desde a descoberta e, na colonização, perdura o princípio. Prolonga-se no Império e na República com as atenuantes que a vigilância da democracia e da livre imprensa propiciam. Mas sempre a mesma coisa: usufruir do Estado em beneficio próprio. É a herança portuguesa do patrimonialismo sempre presente.
Na mocidade convivi com o Parlamento no Rio de Janeiro. Deputados federais e senadores oriundos dos Estados traziam suas famílias e filhos e vinham morar no Rio. Nada de moradias fornecidas pelo governo. Alugavam casas. Seus filhos frequentavam escolas locais. O Rio de Janeiro, centro cultural do país, atraía as famílias. Sessões de segunda a sexta. Era outro panorama. Veio Brasília. Juscelino Kubitschek, no afã de inaugurá-la no seu mandato e transferir o Governo e o Congresso para lá, começou a distribuir benesses. Salário em dobro para os funcionários. Mansões para os ministros. Apartamentos funcionais. Auxilio moradia. Passagens grátis para as “excelências”. Não caberiam neste artigo as “bondades” oferecidas. Tudo a custa do erário público. Criou o sistema corrupto que perdura até hoje em Brasília. Também não caberia neste artigo a enumeração das inúmeras facetas do patrimonialismo que nossos congressistas usufruem. Uma senadora acha normal gastar as passagens que a ela cabem para trazer amigos para Brasília. Outro coloca em seu apartamento funcional um parente. Senador usa seguranças do Senado para fazer segurança em sua casa particular, no seu Estado de origem. Deputado usa servidora do seu gabinete como empregada doméstica. Funcionária de gabinete de Senador diz que trabalha em casa porque o gabinete do senador é uma bagunça. Deputados e senadores usam verba dos gabinetes que têm em seus Estados para manter firmas privadas de suas propriedades. E por aí vai. O que acontece em Brasília é a mais clara demonstração do patrimonialismo. Para não usar termo mais forte: pura ladroagem com dinheiro público.
Mas, como terminar com tudo isto? Difícil. Arrisco-me propondo solução: pague-se aos representantes do povo salário compensador para cobrir as despesas inerentes aos seus mandatos. Nada de passagens, auxílios-moradia, verbas indenizatórias e outros penduricalhos. O salário deveria cobrir todas estas despesas. Assessores? Escolham entre os funcionários concursados do parlamento, que os tem em grande número e competência.
A batalha é longa, pois, como diz o provérbio italiano: “Dinheiro público é como água benta: todos põem a mão”. Esta é a essência de toda corrupção que hoje grassa no Brasil.