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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Depender do Governo?....



Antero de Quental, notável escritor português, no seu livro “Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos” escrevia :
“ Governa-se então pela nobreza e para a nobreza (...) O espírito aristocrático da monarquia, opondo-se naturalmente aos progressos da classe média, impediu o desenvolvimento da burguesia, a classe moderna por excelência, civilizadora e iniciadora, já na industria, já nas ciências, já no comércio. Sem ela, o que podíamos nós ser nos grandes trabalhos com que o espírito moderno tem transformado a sociedade, a inteligência e a natureza? O que realmente fomos: nulos, graças à monarquia aristocrática! Essa monarquia, acostumando o povo a servir, habituando-o à inércia de quem espera tudo de cima, obliterou o sentimento instintivo da liberdade, quebrou a energia das vontades, adormeceu a iniciativa; quando mais tarde lhe deram a liberdade, não a compreendeu; ainda hoje não a compreende, nem sabe usar dela”
Quanto isto explica algo do Brasil de hoje. Estas características conservadoras, a tendência de olhar o Estado como, fonte de todos os milagres e pai de todas as desgraças, amortece o espírito de iniciativa e incentiva estados ditatoriais, atitude reforçada pelas idéias positivistas do início da República. Ora, a ditadura é avessa a toda espécie de reformas e, é absolutamente destituída de base histórica, que é necessário um estado forte para realização das grandes obras de afirmação nacional. Pelo contrário, somente com o consentimento de todas as camadas sociais poderemos ter êxito em qualquer empreendimento governamental. Alem disto, a tradição mercantilista na formação brasileira – outra herança portuguesa - o despreparo de nossas classes dirigentes, a falta de preparo técnico das classes trabalhadoras, a permanência do Estado paternalista e colonizador, são resistências difíceis de vencer. No entanto, terão que ser vencidas, se é que desejamos atingir o patamar de nação desenvolvida. É verdade que no Brasil, a presença do Estado no cotidiano do cidadão é avassaladora. Tudo o Estado quer regular, tudo é objeto de leis, decretos, portarias etc. Basta comparar-mos a nossa prolixa Constituição de 1988, com seus 245 (duzentos e quarenta e cinco) artigos, com a dos Estados Unidos, com apenas 7 (sete) artigos e 26 (vinte e seis) acréscimos (amendments). A nossa ,de 1988, é a 5a (quinta) editada regularmente – sem contar as impostas como as de 1937, 1967 e 1969 – enquanto que a americana é a mesma ,desde sua promulgação, em 17 de Setembro de 1787, com mais de 200 (duzentos) anos , pois, de existência. Tantas e tantas intervenções do Estado Brasileiro, na vida regular do cidadão, criaram no espirito do brasileiro, primeiro, a incerteza se a lei é mesmo para valer. Segundo, se não virá, logo em seguida, outra para substitui-la, atendendo a interesses de outros grupos... A par desta incerteza, criou-se na sociedade brasileira o hábito de esperar que todos seus problemas sejam resolvidos pelo governo. E, criou também a mentalidade de que tudo que acontece em suas vidas é culpa do governo. Em primeiro lugar é preciso que nos conscientizemos que os governos não são tão fortes quanto parecem. Lembramo-nos de uma resposta que Peter Drucker, autoridade mundial em gerenciamento e administração de empresas, deu a um repórter brasileiro quando visitava o Brasil, durante o regime militar: Perguntou-lhe o repórter: _ “ O que acha ,da direção da economia por um governo forte, como o nosso?” _ Respondeu Drucker: “Em primeiro lugar não há governos fortes...” Em síntese, Drucker queria dizer que, qualquer que seja o governo, ele é sempre sujeito a muitas variáveis, à pressões de grupos, de interesses e, à maior de todas as pressões, à pressão da opinião publica, dos cidadãos em defesa de seus direitos. No Brasil, país, ainda sem solidas estruturas partidárias, há sempre uma tendência da primazia do Estado sobre a Sociedade. E não raro, esta tendência faz o povo procurar lideres messiânicos, carismáticos ou populistas, para defender seus interesses. Cria-se círculo vicioso, pois, procurando um Estado forte, sem tradição democrática, para solução de seus problemas, só faz agrava-los, não raro usando a corrupção como instrumento para obtenção de seus interesses. Yves Gandra Martins, em seu excelente livro “Uma visão do mundo Contemporâneo” conta-nos interessante episódio vivido por ele, em Bonn, na Alemanha: Conversando com professor da Alemanha Oriental, este professor não pode conter as lágrimas de emoção ao contar a queda do Muro de Berlim. Apesar da alegria de se sentir livre, estava preocupado, porque a maior parte do povo que vivia na antiga Alemanha Oriental, principalmente aqueles com mais de 40 anos, estava desorientado, visto que quando o Estado deixou de pensar por eles, perceberam que não estavam preparados para enfrentar a competitividade do mundo ocidental. Ai está. Este o grande perigo. A tendência de deixar o Estado pensar por nós, incompatível com a realidade do mundo ocidental, onde vivemos. Ha culpa, por conseguinte, não é só do governo. É, basicamente, da própria sociedade que, elegendo para representa-la, indivíduos desqualificados para tal, causa um efeito “boomerang” voltando-se contra ela, sociedade, todas as mazelas existentes. A sociedade brasileira , entretanto, vai, aos poucos, adquirindo, a compreensão de que governos não podem tudo, qualquer que seja o poder que tenham. Organiza-se cada vez mais. A grande quantidade de associações comunitárias que se estão paulatinamente criando, as inúmeras organizações não governamentais que existem e trabalham para o bem comum, mostram que o brasileiro, aos poucos, vai verificando que é ele, cidadão, que tem que levar o país para o progresso. O governo é mero coadjuvante na execução desta vontade, como fiscal da lei, como arrecadador justo dos impostos pagos pelo contribuinte, aplicando-os conforme mandam as leis votadas pelos representantes do povo. “O cidadão inspeciona o poder; o poder vigia o cidadão”, dizia Aprigio Guimarães, notável pensador pernambucano É este o principal papel do cidadão: inspecionar o poder, faze-lo cumpridor da lei. Ha um grande caminho a percorrer pela sociedade brasileira na compreensão geral de todos estes problemas. E isto só pode ser conseguido com a educação de todos, cada vez mais melhorada, e a permanência inalterada do Estado de Direito. Há, pois, muita culpa do governo, no que esta acontecendo no Brasil. Não só deste governo. De todos os governos, até agora. Mas não adianta culpa-los por tudo. A maior culpa é dos cidadãos que os escolheram, quando puderam. Colocar toda culpa no governo, é mais um mito a desfazer no quotidiano do brasileiro.

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